Cartografia estrelada das galinhas-d’angola
Palavras-chave: fuleragem; corpo coletivo; bandeira; suporte; invenção
A obra propõe a subversão da bandeira nacional ao inserir, em seu centro, a imagem de galinhas-d’angola. As aves, conhecidas por suas plumagens cobertas de pintinhas brancas, assumem aqui uma nova condição: suas pintas se metamorfoseiam em estrelas, evocando o cosmos do pavilhão brasileiro. O gesto desloca o signo oficial, trocando o emblema da pátria por um corpo coletivo popular, que carrega em si a precariedade e a potência da vida ordinária.
A galinha-d’angola é, ao mesmo tempo, doméstica e estrangeira, símbolo da diáspora africana e da cozinha cotidiana, bicho de quintal e ave de resistência. Ao povoarem a bandeira, elas instauram uma nova cartografia do corpo brasileiro: não mais o corpo monumental do Estado, mas um corpo múltiplo, repleto de vozes, cacarejos e presenças comuns. Essa operação irônica e poética convoca a fuleragem como método — aquilo que Bia Medeiros definiu como prática de invenção nos limites da precariedade, como estratégia de tensionar os símbolos instituídos através do jogo, do risco, do riso e da improvisação.
Aqui, a bandeira deixa de ser suporte estático e se torna tela de fricção. Sobre ela, as galinhas-d’angola inscrevem um outro cosmos, onde estrelas não pertencem apenas ao céu institucional, mas também às penas de um corpo coletivo que se move em fluxo. O trabalho propõe, assim, pensar o suporte como campo expandido: a bandeira é suporte, mas também corpo; a galinha é ave, mas também signo; a estrela é ponto celeste, mas também mancha reinventada.
Ao reconfigurar um dos maiores símbolos nacionais através da presença humorada e insistente dessas aves, a obra se inscreve no território da crítica e do jogo, aproximando-se das práticas de Bia Medeiros, que nos ensinou a explorar o improviso e a ironia como modos de conhecimento. Trata-se, enfim, de uma fuleragem visual que recusa a rigidez da forma oficial para dar lugar ao excesso, à coletividade e ao rastro de corpos que se inscrevem, em estrela, no tecido da nação.